sexta-feira, 8 de julho de 2011

Epifanias Pessoanas (1)

   Pessimista — eu não o sou. Ditosos os que conseguem traduzir para universal o seu sofrimento. Eu não sei se o mundo é triste ou acaso nem isso me importa, porque o que os outros sofrem me é aborrecido e indiferente. Logo que não chorem ou gemam, o que me irrita e incomoda, nem um encolher de ombros tenho — tão fundo me pesa o meu desdém por eles — para o seu sofrimento.
   Mas eu quero crer que a vida seja meio luz meio sombras. Eu não sou pessimista. Não me queixo do horror da vida. Queixo-me do horror da minha. O único facto importante para mim é o facto de eu existir e de eu sofrer e de não poder sequer sonhar-me de todo para fora de me sentir sofrendo. 
   Sonhadores felizes são os pessimistas. Formam o mundo à sua imagem e assim sempre conseguem estar em casa. A mim o que me dói mais é a diferença entre o ruído e a alegria do mundo e a minha tristeza e o meu silêncio aborrecido. 
   A vida com todas as suas dores e receios e solavancos deve ser boa e alegre, como para uma viagem em velha diligência para quem vai acompanhado (e a pode ver). 
   Nem ao menos posso sentir o meu sofrimento como sinal de Grandeza. Não sei se o é. Mas eu sofro em coisas tão reles, ferem-me coisas tão banais, que não ouso insultar com essa hipótese a hipótese de que eu possa ter génio. 
   A glória de um poente belo, com a sua beleza entristece-me. Ante eles eu digo sempre: como quem é feliz se deve sentir contente ao ver isto! 

Fernando Pessoa (Bernardo Soares) - Livro do Desassossego

Um comentário:

  1. Fernando podia até não ser pessimista, mas parece muito deprimido e egocêntrico; tão sensível aos próprios desgostos quanto indiferente às dores alheias.

    O por-do-sol também me parece triste; lembra a morte do dia. Alegre é a alvorada, quando das trevas nasce a luz. Mas o danado do português é elegante e atraente em tudo o que escreve!

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