quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Mais Releituras da Canção do Exílio (2)

Nova Canção do Exílio

Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos

Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim

Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata

Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos


Ferreira Gullar

Sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor 

Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar
Chico Buarque e Tom Jobim
Canção do Exílio

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus ! Não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá !

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor ! dá-me de novo
Os gozos do meu lar !

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe !

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil !

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus ! Não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá !

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul !
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul !

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel !

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no c
repúsculo
Os sonhos do porvir !

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus ! Não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá !

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal !

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo à sombra do meu lar !
As cachoeiras chorarão sentidas

Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci !
Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus ! Não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá !

Casimiro de Abreu

e ainda...

Canção do Exílio às Avessas

Minha Dinda tem cascatas 
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Minha Dinda tem coqueiros
Da ilha de Marajó
As aves, aqui, gorjeiam 
não fazem cocoricó.

O meu céu tem mais estrelas
Minha várzea tem mais cores.
Este bosque reduzido
Deve ter custado horrores.

E depois de tanta planta,
Orquídea, fruta e cipó
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Minha Dinda tem piscina,
Heliporto e tem jardim
Feito pelas Brasil’s Garden
Não foram pagos por mim.

Em cismar sozinho à noite
Sem gravata e paletó
Olho aquelas cachoeiras
Onde canta o curió.

No meio daquelas plantas
Eu jamais me sinto só.
Não permita Deus que eu tenha 
de voltar pra Maceió.

Pois no meu jardim tem lago
Onde canta o curió
E as aves que lá gorjeiam
São tão pobres que dão dó.

Minha Dinda tem primores 
de floresta tropical
Tudo ali foi transplantado
Nem parece natural

Olho a jabuticabeira
Dos tempos da minha avó.
Não permita Deus que eu tenha 
de voltar pra Maceió.

Até os lagos das carpas
São de água mineral.
Da janela do meu quarto
Redescubro o Pantanal

Também adoro as palmeiras
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Finalmente, aqui na Dinda,
Sou tratado a pão-de-ló
Só faltava envolver tudo
Numa nuvem de ouro em pó.


E depois de ser cuidado
Pelo PC com xodó,
não permita Deus que eu tenha 

de voltar pra Maceió.

Jô Soares

Mais Releituras da Canção do Exílio (1)

Além de Oswald de Andrade, outros autores fizeram suas releituras da Canção do Exílio de Gonçalves Dias








Nova Canção do Exílio


Um sabiá na
palmeira, longe.

Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

Carlos Drummond de Andrade



Canção do Exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

Murilo Mendes


Canção


Minha terra não tem palmeiras …
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
Minha terra tem refúgios,
Cada qual com a sua hora
Nos mais diversos instantes …
Mas onde o instante de agora?
Mas a palavra “onde”?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus de minha terra
Eu canto a Canção do Exílio. 

Mario Quintana

Canção do Exílio


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores.
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras
Onde canta o sabiá.

Gonçalves Dias

Oswald de Andrade

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro






Vício na Fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados





Erro de Português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! 
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.





* Canto de Regresso à Pátria

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.



*Releitura da Canção do Exílio de Gonçalves Dias 

Oswald de Andrade

Traduzir-se


Uma parte de mim 
é todo mundo: 
outra parte é ninguém: 
fundo sem fundo. 

Uma parte de mim 

é multidão: 
outra parte estranheza 
e solidão. 

Uma parte de mim 

pesa, pondera: 
outra parte 
delira. 

Uma parte de mim 

almoça e janta:
outra parte 
se espanta. 

Uma parte de mim 

é permanente: 
outra parte 
se sabe de repente. 

Uma parte de mim 

é só vertigem: 
outra parte, 
linguagem. 

Traduzir uma parte 

na outra parte 
- que é uma questão 
de vida ou morte - 
será arte?




Ferreira Gullar

Sentimento do Mundo



Tenho apenas duas mãos 
e o sentimento do mundo, 
mas estou cheio de escravos, 
minhas lembranças escorrem 
e o corpo transige 
na confluência do amor. 

Quando me levantar, o céu 
estará morto e saqueado, 
eu mesmo estarei morto, 
morto meu desejo, morto 
o pântano sem acordes. 

Os camaradas não disseram 
que havia uma guerra 
e era necessário 
trazer fogo e alimento. 
Sinto-me disperso, 
anterior a fronteiras, 
humildemente vos peço 
que me perdoeis. 

Quando os corpos passarem, 
eu ficarei sozinho 
desfiando a recordação 
do sineiro, da viúva e do microscopista 
que habitavam a barraca 
e não foram encontrados 

ao amanhecer esse amanhecer
mais noite que a noite.

Carlos Drummond de Andrade

Impressionismo


"I shut my eyes in order to see"
Paul Gauguin

"An art which isn't based on feeling isn't an art at all"
Paul Cézanne

"Art is not what you see, but what you make others see"
Edgar Degas



Montmartre, rue Saint-Vincent
Lepine Stanislas





Jeunes filles au piano
Pierre-Auguste Renoir






La Seine au pont d'Iéna
Paul Gauguin




Danseuses montant un escalier
Edgar Degas




The Japanese Footbridge and the Water Lily Pool
Claude Monet




*Seleção pessoal de imagens presentes na exposição "Impressionismo: Paris e a Modernidade (Obras-Primas do Museu d'Orsay)" à mostra no CCBB do Rio de Janeiro de 23 de outubro de 2012 a 13 de janeiro de 2013